quarta-feira, 27 de outubro de 2010

riacho.

Sentia uma angústia crescendo dentro de si há dias. Via o movimento dos ponteiros do relógio na parede, prestava uma atenção no tic-tac digna de um médico cirurgião, e em sua cabeça repetia continuamente: um-dois, um-dois. 
Levantou-se, pegou a garrafa de café e se serviu. Já estava frio e no fim. Péssimo, tinha sido passado há horas, talvez no dia anterior. Tomou mesmo assim.
Agora, na sala, olhava pela janela. Um rato atravessava a rua como se a possuísse, e naquele momento ela era só e inteiramente dele. O céu estava nublado, e a leve brisa fazia com que as folhas das escassas árvores balançassem em uma valsa lenta e compassada. Clima típico da época do ano, do local, da fase da Lua, da previsão do tempo, do seu humor.
Sentou-se novamente em seu quarto. A inquietação ia aos poucos tomando conta de seu corpo. Começou por chacoalhar uma das pernas. Depois foi a caneta que insistia em pular de sua mão e se jogar no chão ou na mesa. Estalava os dedos, os punhos, os pés, até nada mais fazer barulho, e recomeçava.
Um-dois um-dois  um-dois    um-do     um        um.
E então conseguiu.
As palavras fluíam de seus dedos. Eram gotas em um riacho que acabara de transpor sua barragem.
Um parágrafo. E outro. E um terceiro...
Não ouvia mais o relógio, não pensava mais no rato da rua, não mais sabia se balançava as pernas. 
Só escrevia.
Quando o riacho se acalmou, deitou na cama e dormiu o sono que lhe havia faltado nos últimos dias.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

adeus.

Ainda me lembro da primeira vez que te vi. Eu estava morrendo de medo afinal, era a primeira vez que eu chegava tão perto. Mas você era tão linda que até me esqueci de mim. Parecia feita no computador ou desenhada à mão, de tão perfeita. 
Lembro de todos os detalhes dos nossos primeiros momentos. A sala completamente bagunçada, caixa de pizza e louça na mesa de centro, roupas pelos cantos. Sua mãe já velha e com cara de cansada, seus irmãos, ninguém era como você. 
E depois desse dia foram tantas histórias, tantas lembranças...
Você me fez vencer uma barreira importante, e eu sempre serei muito grata por isso.
Com o passar do tempo você foi se mostrando cada vez mais rápida e esperta, eu gostava disso. Aos poucos fui percebendo que você era um lobo solitário, como eu. Talvez por isso houvesse uma ligação tão grande entre nós.
Depois vieram outras, mas não era a mesma coisa.
E depois de mais de uma década com você, pode ter certeza que eu vou sentir sua falta.
Que é verdade que a primeira vez a gente não esquece, eu não posso afirmar. Mas eu nunca vou esquecer a primeira vez que eu tive um cachorro.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

sempre.

Ele estava lá. No mesmo bar de sempre, tomando a mesma coisa de sempre e sozinho, como sempre. Não fumava, não gostava de ter sua visão atrapalhada pela fumaça. 
Pensava que em dois dias receberia o mísero salário que lhe cabia.Gastaria uma parte com as bebidas, que deixaria em casa para quando os bares estivessem fechados. Daria algum dinheiro ao cobrador do aluguel para que não fosse despejado, visto que nunca pagara um mês por completo. E guardaria um pouco para as mulheres, teria que conseguir de outra forma agora que ela se fora.

Ela passava pela frente do bar no caminho do trabalho para casa, como sempre. Viu que ele estava lá. Pensou em entrar e conversar com ele. Desistiu. Afinal, fazia apenas alguns dias desde que se separaram. Não gostava do verbo terminar, nesses casos. As pessoas não terminavam, suas vidas não terminavam, apenas mudavam seus rumos, suas rotinas. 
Tinha prometido para si mesma que a última vez em que estiveram juntos seria diferente ou então, seria a última. E foi.

Ele olhava as horas no relógio, não que tivesse algum compromisso ou que teria hora para ir embora, mas gostava de ter consciência delas. 
Pediu mais um, bebeu um gole e pensou que talvez sentiria falta do calor do corpo dela ao acordar.

Ela continuava parada na frente do bar. Se sentia orgulhosa em ter conseguido sair daquela situação. Via o movimento das pessoas na rua, algumas entravam ou saíam do bar. Gostava de ficar horas observando os sapatos das pessoas que passavam por ela. 
Hesitou mais uma vez, e por fim entrou. Sentou ao lado dele, pediu uma dose, a de sempre.
- Boçal.

Terminaram suas bebidas e foram para casa juntos. Treparam no sofá, como sempre.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

na rodoviária.

Minha passagem pela rodoviária hoje se resume em basicamente dois fatos.

Na cabine para comprar a passagem, a moça estava com pressa, pois tinha terminado o expediente, queria fechar o caixa e ir embora. Portanto enquanto a outra imprimia meus passes, ela atendia outra pessoa. E gritava freneticamente para os outros "Aqui tá fechado, vai na próxima!"
As duas atendentes conversaram enquanto a primeira marcava as passagens do outro cliente, eu não estava prestando atenção ao que elas falavam, mas percebi que eram valores. Só entendi depois de ver que ela tinha colocado o valor errado na máquina, provavelmente alguma forma de tentar economizar tempo e passar meu cartão enquanto terminava a impressão

- Tá errado, geralmente dá R$36,00 e alguma coisa.
- Oh, Joana é R$30,00 ou R$36,00? Ah, tá bom.

Obviamente era R$36,00. (Coitada da Joana, repetiu mais de 4 vezes o valor e mesmo assim a mulher colocou errado.)
Nem sequer um obrigado eu ouvi. Claro, a diferença não iria para o salário dela, mas certamente sairia de lá caso faltasse no final do dia...




Ao lado da plataforma de embarque tem um quiosque desses que vende todas as tranqueiras alimentícias que se pode encontrar em uma rodoviária.
Eu, com uma moeda de R$0,25 na mão, e era realmente tudo que eu tinha, cheguei e perguntei quanto era um chiclete, desses de caixinha que vem 2 juntos, achando impossível não conseguir comprar, com o que tinha.
- Sessenta centavos.
- Ah, tá bom. Obrigada. (Pensando "Porra, que roubo!")
- Quanto você tem aí? R$0,50? Serve.
- Só tenho R$0,25, na verdade.
- Tá bom, serve também. É meu último dia aqui mesmo.


Moral da história....

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

aos pedaços.

Você já teve um alguém, desses que você pensa: I could stay with you forever and never realise the time? Então você sabe do que eu to falando. Eu tive um desses.
E foi cheio de idas e vindas, como deveria ser. Primeiro era tempo demais junto e a consequente sensação de sufocamento apareceu. Depois o medo de que a futura distância estragasse tudo, causou precipitações. Aí eu pensava que estava tudo bem e veio a sua inquietante vontade de aproveitar a vida e a juventude de outras formas.
Então eu percebi que eu sem você não tenho porquê, porque sem você não sei nem chorar. A distância deixou de ser um problema, o tempo compartilhado se tornou algo agradável. E eu me vi vivendo uma das melhores experiências da vida, a de compartilhá-la com alguém, de forma incrível.
De alguma forma fomos perdendo as partes disso. Talvez no final de cada copo de água que eu nunca termino, ou nas caronas forçadas porque mesmo depois de dois anos de carta, eu ainda não tenho coragem de pegar o carro, na falta de gel meu no cabelo, ou na sua blusa de gola alta, quem sabe? E começo a sentir que the thrill is gone, I can see it in your eyes.
Mas ao mesmo tempo eu imagino que as coisas não podem ter sido tão superficiais assim. E penso em convidá-lo para assistir ao pôr do Sol comigo, afinal a vista da minha janela é bem bonita. E sim, eu admito que, I’m old fashioned but I don’t mind it, that’s how I wanna be.
Eu ando pelos nossos velhos caminhos agora tentando juntar os pedaços que caíram, para tentar remontar o nosso quebra-cabeça. Mas e você, o que pretende fazer agora?
Só tenho mais uma coisa a dizer, a de sempre, it had to be you.

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Citações Musicais:
Não são necessariamente os compositores, mas os interpretes escolhidos.

You’re gonna make me lonessone when you go – Madeleine Peyroux
Samba em Prelúdio – Esperanza Spalding
The Thrill is Gone – Chet Baker
I’m old fashioned – Chet Baker
It had to be you – Lisa Ekdahl

sexta-feira, 9 de julho de 2010

me diz.

Me diz que ao me ver, seu coração não mudou o ritmo.
Que não percebeu sua pele pulsando ao sentir a minha por uns segundos.
Que por estar perto, não houve o impulso em me tocar.
Que o som da minha voz não pareceu conhecido e reconfortante.
Que as piadas antigas não te fazem mais rir.
Que ao se despedir, você não sentiu vontade de não ir embora, e de me ver novamente, como da primeira vez.
E eu te deixo ir. Sem mais tocar no assunto.

Caso negue alguma das frases, volte.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

não mais.

Acordei mais cedo que ele hoje, o que é bastante raro.
Fiquei ali por um tempo observando. O peito subindo e descendo com a respiração, os espasmos repentinos, uns intensos, outros nem tanto, e no rosto uma expressão serena. Não gosto de vê-lo dormir, parece morto naquela posição.

Me perdi pensando em nossas coisas. Como eu já o olhava antes de vir falar comigo aquele dia no bar. A gente se deu bem desde o início. Depois de algumas semanas comecei a dormir aqui às vezes, trazer meus pertences aos poucos, mudar a posição dos móveis na casa.
Não me preocupei em sentar e conversar sobre como estávamos, sobre os ritmos e os passos do relacionamento. Tudo era muito natural para mim, e como ele também nunca se pronunciou, fiquei.
Quando terminei de trazer o que era meu, passei a pagar algumas contas, afinal, nada mais justo. Nem quanto a isso houve algum comentário...

As semanas passaram e fomos levando adiante.

Agora me vejo diante do espelho enquanto escovo dos dentes. Faço uma pose ou outra, percebi que ele me olha ainda deitado na cama.
Penso e não encontro mais os motivos que nos fizeram chegar até aqui.

Ele ainda não sabe, mas perdi o gosto pelo que é nosso e a vontade de estar junto dele.
Hoje enquanto ele trabalha, vou retirar minhas coisas. Deixo a chave junto de um bilhete na caixa de correspondência.

terça-feira, 8 de junho de 2010

tá bom.

Abrindo os olhos pela manhã pude vê-la, fazendo pose apoiada na pia, enquanto escovava os dentes e se olhava no espelho. Os cabelos longos e lisos caiam sob os ombros, suas curvas eram acentuadas pela pose, a pele rosada em um corpo coberto apenas por uma camiseta, minha.

Tentava me lembrar como ela havia chegado ali, no meu banheiro. Não me recordava quando exatamente aquilo começara.
Penso que foi aos poucos. Ficando para dormir um dia ou outro, deixando uma peça de roupa “para um momento de emergência” – ela dizia. Passou um feriado prolongado aqui comigo. Chamou as amigas para uma pizza, pois queria que elas me conhecessem.
Fomos viajar juntos nas ultimas férias, e na volta quis ficar aqui, estava cansada e não queria ir para casa e desfazer as malas.

E foi ficando...

E eu fui deixando...

Na verdade nem me dei conta do que estava acontecendo. Sua companhia me agradava e as coisas pareciam mais em ordem do que nunca. Algumas coisas novas foram aparecendo, prateleiras, panelas, toalhas, enfeites. Percebi que não havia mais uma noite sequer que eu tinha a cama e a casa só para mim, e que algumas contas sumiam da gaveta e apareciam pagas.

Eu provavelmente nunca te disse e nem direi, mas gosto de como as coisas estão.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

reencontro.

Às vezes eu penso nas pessoas que passaram pela minha vida e me marcaram de alguma forma. O que seria de nós se não tivéssemos nos separado naquele momento? Teríamos nos separado em um outro? Continuaríamos nos vendo e convivendo? Teríamos chegado onde estamos hoje? Ido além disso?

Ouvi de um conhecido de um ex-colega de trabalho que te conhece, que você vai bem. Mundo pequeno esse...
Da ultima vez que te vi, percebi o quanto o tempo te mudou, e o fez comigo também. Não consegui encontrar um álibi convincente o bastante para falar com você, só um “oi, como vai?” não parecia bom. Não sabia como tinha ficado nossa relação. Quais seriam os assuntos de nossas conversas agora?

Um tempo depois reencontrei aquele mesmo alguém e me disse que você mudou de endereço. Apressei-me em marcar o novo, com a justificativa de entregar algo seu que encontrei em uma de minhas varias mudanças desde então. Mentira, não havia mais nada.
Com esta arma em mãos, resolvi testar. Voltei ao nosso velho costume e te escrevi uma carta, na esperança de que não soasse como se fossemos estranhos, ou que havia alguém te perseguindo.

Às vezes penso em você, que de todas as pessoas que por mim passaram é de quem mais lembro. Não por sentir algo por você, e achar que foi um grande amor desperdiçado e que um dia vai voltar, tenho apenas um carinho pelas nossas memórias, mas sim pela intensidade da atração que nos mantinha. Você sempre foi uma ótima foda. Como seria um reencontro? Certamente seria diferente, faz tanto tempo...

Depois de duas semanas recebi sua resposta à minha carta. Não era como um dia tinha sido, mas também não éramos como dois recém conhecidos. Mais algumas cartas trocadas, os vínculos foram se reatando. Marcamos de nos encontrar em um café.
No momento em que nos vimos soubemos que a atração ainda existia, ou era a empolgação em saber como aquilo terminaria. Conversamos por algum tempo e saímos dali.
Foi como se nossos corpos nunca tivessem se separado. As mesmas sensações, os mesmos gostos, a mesma intensidade, só mudaram os tons.

Por melhor que tivesse sido, não nos vimos e nem nos escrevemos mais, e de certa forma já era esperado.

Me pergunto agora se faltava esse ponto final para você, assim como para mim. Não tivemos uma merecida despedida da outra vez. Quem sabe daqui a algum tempo nos encontramos novamente e eu pergunto...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

rotina.

Você deveria se sentir como um deus, perfeito, satisfeito, feliz ao acordar cada manhã - pelo menos é o que você ouve em um daqueles programas diários do canal que você assiste na televisão - afinal, você é saudável, tem onde morar - e toda aquela baboseira. Para o diabo com isso!
Quem consegue se manter intacto diante de toda essa merda?
De novo aquele lugar, de novo aquelas pessoas, e aquela maldita rotina. Se escondendo das pessoas para as quais você deve, correndo atrás das que devem para você, sem que ninguém tenha sucesso em nada disso.
Em empregos medíocres para conseguir o dinheiro usado para manter seus vícios, e seguir nessa rotina infeliz, aliviada por alguns prazeres profanos. O álcool, o tabaco, a jogatina, as mulheres. Sempre as mulheres. Malditas mulheres. E quem é que precisa delas quando se tem as próprias mãos? Dizem que uma dessas pode te levar às alturas, ou te afundar na areia movediça, rindo e sentindo prazer nisso. Nunca cheguei às alturas. Quem inventou isso, provavelmente foi uma mulher e o fez para enganar os otários dos homens, que correm atrás delas na esperança de chegar à algum lugar, mas só se afundam mais e mais. Deveriam proibir que elas circulassem pelas ruas, entrassem nas fábricas, nos mercados e nas lojas. Principalmente essa que você vê diariamente passar na sua frente, com aqueles decotes enormes, rebolando e se sentindo o máximo por perceber que você a olha e te ignorar completamente. Enquanto você sonha em chamá-la para um jantar sabendo que ela jamais aceitaria, e pensa que a vida não presta.

terça-feira, 13 de abril de 2010

3h15

Um quarto. Uma luz fraca. Um amanhecer. Um homem.

Vários livros na estante. Varias coisas pelo chão.

No rádio, por horas intermináveis ouve Billy Holliday.

O quarto tem um cheiro de roupa suja, comida podre e álcool.

O homem tem em uma de suas mãos um cigarro de marca barata, e na outra uma arma.

Ele sente em sua boca o gosto do corpo daquela que acabara de deixá-lo sozinho e alguns reais mais pobre. Era só mais uma que se fora.

Passa incessantemente a mão por aquele objeto, sente sua temperatura, suas texturas. Abre e fecha o tambor e conta quantas chances tem.

Acende mais um cigarro. Reconta as balas. Olha o relógio na parede, 3h15.

Mais um trago.

E um tiro.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

nada ruim.

é incrível como eu só consigo escrever em momentos realmente ruins.
estarei fora por mais uns tempos.